29 de março de 2007

Caderninho verde

Engana-se quem acha que aqui minha vida é só sair no Jornal Nacional, Folha de São Paulo, comprar baratinho na 25 de março e atender Thiago Lacerda.

Desponta na fila um cidadão super bonito, menos de 1,90 não tinha, raspou a cabeça mas estava pra lá de charmoso, com um blaser impecável, umas malas pesadas, toda pinta de gringo.

Deu um sorriso super carismático e veio para atendê-lo. Foi a última vez que lembro que olhei pra ele feliz. Ao lado uma mulher. Conversavam em inglês.

- Hi! We are going to Confins. Ele falou com aquela voz de narrador de trailler de filme.
- Hi! Passaports please. Which time your flight?
- Três e quinze - a mulher respondeu entregando o passaporte brasileiro dela e um caderninho verde água, igualzinho a um passaporte, do bonitão.

Começo a examinar o caderninho. Tinha escrito 'Travel Document' e um brasão do Tio Sam estampado na capa em dourado. Dentro uma página com a foto do gato, o Alberto, com um tipo de visto. Na página anterior em letras grandes 'THIS IS NOT A PASSPORT". Preciso de passaportes para fazer check-in.

- Sra, o passaporte do Sr. Alberto, por favor.
- Ele não tem passaporte. É exilado nos Estados Unidos.

Olho de novo o caderninho. Olho o visto com a foto dele. Olho o 'Name': Alberto. Olho o 'Surname': Escobar. Dou mais uma olhadinha para Alberto. Olho pra o visto de novo. Olho a sigla do 'Country': COLOM. Que país é "cólom"? USA é Estados Unidos, PER é Peru, AGO é Angola, ISR é Israel, JPN é Japão, URY é Uruguai, CHN é China, FRA é França, ARG é Argentina, GBR é Grã-Bretanha, D é Deutch, Alemanhã. COLOM? Escobar.."cólom"? Colôm? Seria Colômbia?

Colômbia, Escobar, Pablo Escobar, Cartel de Medellín, Poderoso Chefão, Os Intocáveis, A Máfia no Divã. Como é mesmo o nome do passageiro? Alberto Escobar, procedente da Colômbia e exilado... E, naquele instante, devo ter ficado branquinha igual ao pó. O vento poderia ter me levado para longe dali, que nem leva o pó. A Bahia seria uma boa pedida.

Pedi um minuto alegando que como não era um passaporte teria de consultar a supervisão. Entrei, respirei na tentativa do sangue voltar para a pele junto com o oxigênio, informei o que estava acontecendo, analisamos o documento, tinha o carimbo da Policia Federal brasileira aceitando a entrada dele no país, então volto pra o check-in, tentando sorrir. É difícil sorrir nessas circunstâncias. O músculo da face não te obedece mais que uma fração de segundos. Você manda ele ficar lá, ele não fica, é terrível!

Peço as bagagens, rezando para todos os santos, de todas as religiões, para não ultrapassar 46kg, assim em 1 minuto estaria livre dele e do caderninho de exilado. Rezei pouco. Nove volumes, sendo quatro caixas de Johnnie Walker do maldito Duty Free. "Hirro de una putana!" Alberto pede gentilmente para tomarmos cuidado, colocar frágil nas caixas, fala em espanhol agora.

Um idiota vendeu a passagem e ia sobrar pra mim. Enquanto verificava as caixas e cobrava o excesso, aparecer do nada, misturado com aquele monte de gente, homens mal-encarados com armas pesadas, cheios de óculos escuros abrindo fogo e eu ser cravejada de balas no check-in. Que jeito mais indigno de morrer... O máximo que o futuro me reservaria seria a imortalidade com as pessoas passando a dizer "Quer tapar o sol com uma Andréa?"

Até hoje não creio em como cobrei tão rápido 40 quilos de excesso passando o American Express do Alberto. Não era Gold, não era Platinum, era um cartão dourado com rajas prateadas, não sei qual é aquele. Não perdi tempo olhando detalhes, Alberto precisava sair da minha frente ligeiro pra sofrer a emboscada em outra freguesia. Quem mandou ser um Escobar? Eu sou uma Freitas, não tenho nada a ver com isso!

Pense um medo. Podia nunca mais sair do metrô e ver as árvores da Vila Madalena. Podia nunca ter ido às inúmeras exposições e museus e podia nem ter inaugurado minha carteira de estudante. Podia não ter acordado hoje e conversado com uma grande amiga da Suécia que espera o nascimento da sua primeira filha, Hannah, para os próximos dias. Podia não ter recebido a ligação da editora que ficou de mandar um livro muito legal e informar que mandaram para o endereço errado, para eu aguardar; podia não ter recebido o livro em alguns dias. Podia não ter lido o torpedo de minha irmã informando que estava de volta ao trabalho e o de outra amiga me dando boas notícias sobre um processo seletivo. Podia nunca mais tanta coisa.

A partir de hoje, nunca mais é para caderninho verde água com estampa do brasão norte-americano. Exílio para os caderninhos!

2 comentários:

Viviane Maia disse...

Déa!!! Blog atualizado!!!
Vou cantar no dia das mães. Seria ótimo se vc estivesse aqui. :)
Saudades! Bjão. :***

bb disse...

Menina, que sufoco trabalhar no Aeroporto, né. Mas ó, pense que podia ser ao contrário. Ao invés da máfia, a Polícia Federal (doce sonho), vinha e pegava o cara por falsa documentação e expulsava ele do país. E isso graças a sua hesitação de segundos para passar o Travell Document do individuo, hahah. Ia aparecer no JN amiga!