13 de setembro de 2006


Por uma hora, fui obrigada a ouvir "eu voto, eu voooooooooooooootooooooooooo, voto setenta cinco, cinco, cinco, eu voto, eu voto, voto em Paulinho..." Tem coisa mais idiota do que ser obrigada a ouvir esses jingles que são paródias de hits populares que os políticos fazem em época de campanha?

Acho que vou fazer um jingle para deixar um carro de som na frente da casa de Paulinho. "Não voto, eu não vooooooooooooooootoooooooooooo, não voto setenta, cinco, cinco, cinco, não voto, eu não voto, não voto em Paulinho, o chato que fica repetiiiindoooooo"

11 de setembro de 2006


As mudanças começam a fazer parte dos meus pensamentos mais uma vez.

10 de setembro de 2006

Abrir caixas é divertido, emocionante. Embaladas para presente são mais. Dependendo de quem nos deu fica mais interessante ainda. Mas tem uma caixa que já abri 3 vezes desde que cheguei a Aracaju. Daquelas simples, de papelão, com uma etiqueta com padrão 5s escrito "Objetos encontrados a bordo". É a mesma caixa, mas a cada vez que abro vejo coisas diferentes.

Pessoas perdem coisas ou porque os pertences não são muito importantes ou as pessoas são distraídas com emoções que levam sua mente para longe de seus pertences, deixando-os no lugar onde elas começaram a sentir as emoções.

Todos os dias jogo coisas que me entregam após catalogá-las. Parece chato. Só parece. Cada objeto fala pelo dono, fala para mim dele. Já recebi coisas inacreditáveis. Molde dentário, cuecas, pilhas, necessaires com maquiagem, CDs e DVDs, máquinas fotográficas, celulares, relógios, brinquedos, luvas, óculos caros e os do Feiraguai, gorros e os meus preferidos, livros.

Um envelope grande de uma clínica médica. Cheguei e ele já estava na mesa do turno anterior. Assento 2A. Quem recebeu não deu importância. Quando peguei senti pesado demais. Abri a fim de encontrar o dono, tinha muito exame. Acompanhamento de semanas, radiografias e tomografias computadorizadas. De certeza a pessoa tinha sofrido algum tipo de acidente ou uma doença que precisava de mapeamento contínuo de seus pulmões e cerébro. Achei o nome do paciente nos laudos. Abri o programa de reservas. Achei uma passageira que tinha voado do trecho Vitória-BH no dia anterior. Carreguei a reserva. Passageira solicitou cadeira de rodas, assento 2A, marido foi na 2B. Liguei para o número, atendeu uma pessoa com voz estranha, quase metalizada. Pedi para falar com a passageira, a voz quase não humana me disse que ela não estava, perguntou quem era. 'Andréa, da Gol Linhas Aéreas, encontrei alguns exames que acredito serem dela'. A voz mesmo metalizada demonstrou bastante emoção. "São meus! Que bom que vocês encontraram. Sofri um acidente e não estou podendo falar muito". 'Enviaremos amanhã, Sra. Peça a seu marido para entrar em contato com o aeroporto onde desembarcaram e ele será informado assim que chegar lá'. Objetos esquecidos a bordo são de responsabilidade do passageiro, descumpri uma ordem, sinto muito, a intuição me guia e descumprir uma ordem dela é mais difícil do que uma regra empresarial.

Um album com fotos eróticas. No início assim, no final, fotos com o marido e o filho pequeno comemorando o aniversário de 4 anos da criança. O batom era vermelho demais e a calcinha pequena demais nas primeiras fotos, mas os olhos eram entusiasmados tanto pousando como uma mulher da Playboy como ao lado do marido e do filho. Eram duas mulheres? Não, a mesma mulher vibrante em momentos diferentes. Só errou numa coisa, jamais deveria ter deixado uma lembrança como aquela no bolso lateral de uma bagagem com zíper sem cadeado, caiu na rampa. A dona nunca veio procurar. Mas tenho certeza que ela tem condições de fazer mais fotos surpreendentes. Como sei? Bem... O que mais achei na caixa, hein?

Sim, já li alguns livros da minha caixa. Chamo minha porque os objetos que tem ali são de minha responsabilidade. Anjos e Demônios, Labirinto, Apresentação da Filosofia e o que acabo de ler Através do espelho. Livro fácil de ler, com idéias curiosas. "Nós enxergamos tudo num espelho, obscuramente. Às vezes conseguimos espiar através do espelho e ter uma visão de como as coisas são do outro lado. Se conseguíssemos polir mais esse espelho, veríamos muito mais coisas. Porém não enxergaríamos mais a nós mesmos". Abrir caixas, atravessar espelhos, é tudo a mesma coisa.

Um anjo ajuda uma menina a compreender a vida antes dela morrer. Ele questiona ela sobre os sentidos humanos, quer saber como é sentir no corpo dela, num corpo humano. Esse anjo lembrou-me um amigo que questiona sensações, tentando entender o que ele nunca sentirá no corpo dele. Ocorreu-me agora que amigos são anjos que aparecem em nossas vidas, fazendo-nos ver coisas que nem imaginamos, mostrando o outro lado e querendo aprender com nossas experiências.

Lembrei da caixa. Todos os dias abro ela, encho de coisas e a cada 3 meses abro para triagem. São nessas horas que vejo o que nem os donos viram nos objetos. Eu os vejo e me vejo. Cada objeto que não me pertence, mostra coisas de minha vida, sem eles nunca terem pertencido de fato a mim.

Lembrei do anjo. Ele quer saber, numa parte, qual a sensação de segurar uma bola de neve. É frio, gelado, diz a menina. Ele diz que anjos não sentem nada, precisa de mais informações. Ela recomeça "A pele da gente arde, sente umas comichões, umas alfinetadas. É como se fosse uma bala de hortelã bem forte. A gente sente vontade de tirar a mão e ficar tremendo de frio. Mas, ao mesmo tempo, é gostoso".

Aprendi em Aracaju a abrir caixas. Não uma de papelão simples com coisas perdidas no avião. Mas uma de carne e osso, para ver a alma. Os objetos não estão dentro da caixa, estou dentro dela.
Qual a sensação de abrir uma caixa? O coração bate mais rápido na expectativa de ver o conteúdo, sua mente pensa em um segundo milhões de possibilidades, suas mãos ficam mais ágeis naquele instante e quando seus olhos vêem o que tem na caixa, um calor de gratidão por ter recebido algo aparece no lugar da curiosidade que antes te sufocava. Às vezes você não gosta do que vê, mas a maioria das vezes o conteúdo das caixas são surpreendentes. É um pouco agoniante, mas, ao mesmo tempo, é gostoso.

As caixas são incríveis, não são perfeitas, mas todas merecem ser abertas. Nós também.

Abrir caixas é super! Super o quê? Super e ponto. E tem gente que não vê graça em abrir suas caixas...